Um amigo emprestou-me “A sombra do vento”, de Carlos Ruiz Zafón, autor espanhol. Não posso dizer ainda se gostei ou não, mal passei dos primeiros capítulos. Entretanto, quero transcrever um trecho do capítulo inicial, no qual um livreiro leva seu filho a conhecer o Cemitério dos Livros Esquecidos. Cada livro, cada volume que você vê, tem alma. A alma de quem o escreveu e a alma dos que o leram, que viveram e sonharam com ele. ... Neste lugar, os livros dos quais já ninguém se lembra, os livros que se perderam no tempo, viverão para sempre, esperando chegar algum dia às mãos de um novo leitor.
Pensei em meus próprios livros, aqueles que eu mesma escrevi. Certamente um pouco de minha alma está em cada um deles, embora sejam romances históricos. Isto é, fatos e personagens não foram criados por mim. Investiguei-os em documentos e relatos de historiadores. Mas, com certeza, a começar pela escolha do personagem, o modo pelo qual reconto essas histórias é o resultado de como eu própria senti esses fatos e personagens, de como eles me tocaram.
Costumo devanear a respeito de meus leitores, esses desconhecidos sem nome, que pararam diante de uma estante de livraria, folhearam algumas páginas, e algo do que eu disse tocou suas almas a ponto de decidirem levar para suas casas um livro meu.
Um livro é um ser vivo enquanto alguém o escreve, sonha com ele, ri ou chora ao narrar um episódio, tal com chorei algumas vezes ao escrever sobre a imperatriz Leopoldina. Os fatos ali narrados são comprovados, os trechos de carta citados foram copiados da correspondência particular da princesa. Mas o preferir ressaltar certos episódios ou selecionar as cartas reflete o modo pessoal pelo qual, sem que eu possa dizer por que, essa história me afetou. Um outro autor, escudado nos mesmos fatos e cartas, talvez vislumbrasse uma outra Leopoldina, talvez bem diferente da minha. Pois todo autor, se escreve com alma, narrando fatos históricos ou pura ficção, é de si mesmo que está falando.
Editado, impresso, publicado, o livro hiberna em depósitos de gráficas, em prateleiras de livrarias, aeroportos, ou jogado um uma pilha de livros, aguardando que seu proprietário tenha tempo de se ocupar dele. E só retorna à vida quando alguém o toma para ler. E o lê conforme sua própria alma o apreende, construindo em sua mente, quem sabe, um livro diferente daquele que foi imaginado pelo autor.
Um dia meus livros também serão sepultados no Cemitério dos Livros Esquecidos. Poucos escapam a essa sina e atravessam incólumes os séculos.
Sônia Santanna

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